O conceito missão, visão e valores está com os dias contados. Apesar das resistências de quem defende esse conceito (por que obviamente lhes faz sentido), mas para uma nova geração de profissionais ele é desconexo e vagamente compreendido, quase uma abstração.
O conceito missão visão e valores foi absoluto em todas as consultorias que conheci desde a década de 1990 quando comecei a ter contato com ele na indústria por causa das certificações ISO 9000 que exigiam uma base de referência para certificações. Peter Drucker e Charles B. Handy já falavam desse tema um tanto antes e filosofavam sobre a compreensão e aplicabilidade. Para quem conhece a essência deste conceito, faz todo sentido e poderia definir a base filosófica de uma organização.
Mas não é isso que temos visto nas empresas, por não ser compreendido e as vezes criado com superficialidade como mera formalidade ao invés de ser a expressão central da filosofia e referência essencial nas tomadas de decisão, fica pendurado em uma moldura bonita na parede, esquecido por quem toma decisão e não compreendido pelos colaboradores que fazem piada do conceito toda vez que a liderança decide ou comporta-se de forma antagônica ao trio filosófico.
Mas nos dias de hoje, entendo que existem bons motivos para usar uma abordagem diferente, não tanto em conceito mas na forma de apresentar e "vender" um conceito orientador da formação da cultura corporativa.
Com relação a adoção desse trio penso que, ter somente por ter é melhor nem ter. Se você é um empresário e esses conceitos não são as suas verdadeiras referências comportamentais e de processos então é melhor tirá-los da parede sob pena de perder credibilidade. Que aliás é mais importante do que tudo, uma liderança sem credibilidade não é liderança é apenas a ocupação de um cargo político que passa a precisar do poder da hierarquia para mandar. Soa agressivo, eu sei, mas é uma verdade sobre a qual precisamos refletir.
As referências filosóficas de uma empresa expressada pelo trio missão, visão e valores ou por outras estruturas mais eficazes nesse momento, que vou propor no próximo artigo, precisam ser transferidas à equipe por meio de um processo de educação corporativa. E não confunda isso com treinamento, são coisas diferentes. No treinamento entregamos conteúdo e desenvolvemos habilidades. Na educação explicamos o por que das coisas gerando conscientização. E esse é um processo lento e contínuo como o de educar uma criança nos caminhos em que deve andar.
Entretanto a educação não é garantia que a equipe "compre" a filosofia dessa empresa e engaje nessa ideia. A filosofia não pode ser unilateral, ela precisa gerar valor para toda a cadeia, donos, empresa, colaboradores, agregados, cliente e mundo. Por isso é difícil alinhar tudo. O engajamento acontece quando traçamos para a empresa uma filosofia que agrega valor a toda a rede, se não for assim, quem não recebe valor não adere à filosofia. Então filosofias empresariais unilaterais estão condenadas ao esquecimento mesmo se enquadradas e penduradas na parede mais importante da empresa.
Raríssimos empresários sequer pararam para refletir nessa necessidade de gestão da cultura de sua empresa. O que ouço mesmo é muita reclamação por falta de engajamento mas pouca ação verdadeiramente voltada para o desenvolvimento sustentado de uma cultura organizacional valorosa.
Outro motivo é que os jovens profissionais, não entendem esse conceito missão, visão e valores de primeira. Ele faz muito sentido para a diretoria ou donos mas para a grande maioria das pessoas mais jovens são três palavras que não formam uma ideia.
A palavra missão em uma organização militar (que foi e ainda é a base da hierarquia organizacional) representa um objetivo que deve ser alcançado custe o que custar. Mesmo que custe a própria vida. E sempre, tudo o que fazemos custa nossa vida, não no sentido da morte mas no sentido de consumir parte do tempo da nossa existência na terra, e esse é um custo alto demais para quem percebeu que a vida é curta ou já tem mais idade. Ainda na história eclesiástica temos a palavra missão como a representação de uma investida rumo ao propósito evangelístico que de certa forma é também sacrificial.
Essa nova geração não traz consigo essa visão sacrificial do trabalho, nem sequer a visão de subsistência. Para os jovens e muitos dos mais maduros a ideia de gastar tempo de vida com visão sacrificial remete ao que seus pais fizeram e na maioria dos casos não lhes rendeu nada além do sustento e de uma aposentadoria com poucos recursos. Esta geração não vai assumir uma missão que não seja dela também. Que não lhe traga nenhum retorno pessoal. O emprego para os mais jovens só é bom se for conveniente, oportuno e com propósito comum. Se você é um líder ou empresário, nem se atreva a cometer o equívoco de entrevistar um candidato dizendo que deseja alguém que vista a camisa da empresa. Estamos em um momento em que vestir a camisa representa uma anulação própria e esse não é o que os jovens profissionais desejam. Embora ainda não tenham na maioria dos casos bagagem suficiente para o protagonismo, o desejo de buscar uma colocação que não gere anulação própria é uma necessidade para que sinta-se parte de algo maior e não apenas uma peça de uma máquina. Como diz Mario Sérgio Cortella em seu livro "Por que fazemos o que fazemos?" Essa geração não aceita se sentir um inocente útil. Ela deseja fazer parte essencial de algo maior.
A visão é uma coisa típica dos empreendedores, fundadores e sonhadores. Aquilo que somente os visionários (as vezes considerados loucos) compreendem, e não plenamente pois uma visão de futuro nunca é precisa. Quando algo inesperado acontece como a pandemia de 2020, uma crise ou uma mudança de tecnologia por exemplo, tudo muda completamente. Então a visão pendurada na parede, para os colaboradores, torna-se algo abstrato e sem sentido por que a visão não é dele, é de outra pessoa e de um visionário, que é uma característica um tanto rara na população em geral.
Os valores me parecem ser ainda o que faz mais sentido para a compreensão das pessoas. Mas sofreu também mudanças radicais com a chegada da televisão e mais tarde da internet que deu voz às minorias escondidas pelos becos do mundo por serem consideradas diferentes. A internet e seus milhares de canais de comunicação trouxeram a possibilidade de gritar bem alto e com segurança por causas antes desconhecidas e rejeitadas. Trouxe a possibilidade de argumentação e convencimento em massa sobre vários assuntos antes impossíveis.
Esse movimento da informação e comunicação alterou profundamente os valores da sociedade e continuará alterando. Um exemplo simples: por volta de 1950 o homossexualismo era inaceitável pela sociedade e punido como crime além da descriminação. Na década de 1980 já era mais comum ver esse assunto na mídia, nos anos 2000 já era mais tolerado e começou a ser amparado por leis, hoje é protegido por uma legislação específica e o medo e discriminação é chamado de homofobia e considerado crime.
Assim como esse valor mudou na sociedade outros também estão em constante mudança. Por isso, nesse momento em que vivemos, os valores estão confusos na mente da maioria das pessoas e o certo e errado, o que pode ou não pode, o que é bom ou mau estão confusos na mente da sociedade. Vivemos uma profunda e variada crise de valores e uma necessidade de empatia extrema em função dessas variedades todas. É tanta necessidade de empatia para tentar entender tanta variedade que chega a ser impossível para um cérebro humano ser tão empático assim. Geralmente é tanta informação que não da tempo de processar tudo.
E essa confusão forma uma brecha fantástica para as organizações fixarem seus valore se eles forem bons. Por que em uma terra tão confusa quem gera resultado para alguém ganha sua atenção e este absorve o valor, simplesmente por que lhe faz bem. Sendo assim os valores de uma organização precisam ser trabalhados com extrema habilidade e compreensão desse cenário e também com firmeza, ética e coerência. Certo de que nunca agradaremos a todos mas poderemos agradar aos que tem valores similares e que conseguem por natural comunhão de valores exercer uma empatia generosamente sustentável entre os elementos dessa cadeia, a saber, empreendedores, instituição, colaboradores, clientes e mundo.
A releitura do conceito missão, visão e valores é uma necessidade. Uma reorganização no conceito faz muito sentido para essa nova geração de colaboradores e empreendedores que estão agarrados em algo que não compreendem e muito menos sabem como usar com a eficácia que pode esse conceito oferecer. E é desse conceito que eu vou falar no próximo artigo chamado A GERAÇÃO DO PROPÓSITO. Fique de olho aqui que ele já está no forno.
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